segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Marraquexe, 23:17h: sem um quarto para dormir [ Aventura em Marrocos, PARTE I ]

fotos da Riad onde dormi... inesperadamente.


Primeira vez em Marrocos. Era já tarde, perto das 23h, e eu e a minha irmã tínhamos acabado de chegar a Marraquexe, depois de uma pequena escala em Casablanca. À porta do aeroporto Marrakech-Menara esperava-nos o nosso transfer, uma espécie de táxi mais moderno que nos iria levar até à nossa Riad (casa tradicional marroquina que funciona como um hotel).

Simpático e conversador, o nosso motorista foi falando connosco no seu inglês não perfeito mas compreensível e levou-nos pelas avenidas mais glamourosas da cidade até à zona da Medina, que é o que podemos chamar de zona antiga, o coração de Marraquexe envolvido por uma muralha extensa que separa as duas realidades contrastantes: a riqueza e a pobreza. Aí foi onde percebi logo que estava num cenário completamente diferente, mas também mais interessante. Motos, carros, bicicletas e até carroças avançavam ao mesmo por entre ruas diminutas, em movimentos arriscados e doidos que me deixaram pasmado.

E foi num parque de estacionamento rodeado por essa estonteante confusão que o nosso transfer parou para nos deixar. Mas antes disso o condutor perguntou-nos se sabíamos ir até à rua da Riad e nós dissemos que não (só sabíamos que era numa rua ali perto e usar internet ou o goggle maps estava fora de questão, visto que se pagavam 12€ por Mb... mas mesmo a sério!). Então ele ligou para a recepção da Riad e pediu para enviarem alguém para nos vir buscar. Assim ficamos à espera. Passam mais de 10 minutos. Ninguém vem. Ele volta a ligar e começa uma pequena discussão em árabe. Só consegui perceber pelo tom, porque percebo nada mas absolutamente nada da língua. De repente passa-me o telemóvel e diz-me alguém do outro lado num inglês muito mas muito mau que a nossa reserva naquela Riad tinha sido cancelada porque já eram 23:15h. Já não tínhamos um quarto para dormir ali. SOCORRO! Tentei manter a calma ao telefone, falando num inglês muito pausado, para me fazer compreender. Lá lhe expliquei que no site e nos documentos da reserva estava escrito que o check-in podia ser feito até à meia-noite (aliás esse tinha sido um dos motivos para escolher aquele alojamento, sabendo que já chegaríamos tarde). Mas o homem diz-me que seria impossível ficar ali. O quarto já estava ocupado com outros hóspedes. Como assim?!

A minha irmã olha para mim em pânico e eu em pânico estava. Olhava à volta e só via um mundo completamente desconhecido, de ruelas escuras e cheio de gente que conduzia de forma doida. Como é que era suposto aventurar-me por ali com as nossas malas pesadas e ir ainda à procura de um alojamento àquela hora?!  O homem desliga depois de falar com o condutor outra vez (em árabe). Nisto eu pergunto-lhe se por acaso não conhece outra Riad que ainda aceite check-ins àquela hora. Ele diz-me que talvez sim, que tem de fazer umas chamadas, mas diz-me para esperar mais um pouco porque o outro vai tentar resolver a situação... encontrando um sítio para dormirmos pelo menos nessa noite.

E aqui faço uma pausa para elogiar o nosso condutor, que foi absolutamente um anjo, nunca nos deixou e ainda me tranquilizou. Lá chega um rapazito da Riad para nos levar até lá, mas eu digo-lhe logo: "Só saio deste carro se me confirmares aqui que tenho um quarto onde dormir, senão vou já para outro hotel". Ele diz-me que sim, que tinha. Peço ao condutor para o confirmar em árabe, não fosse ter perdido algo na tradução, e ele confirma que sim, posso estar descansado: já há um local onde ficar.

Damos uma gorjeta ao motorista, embora estivesse escrito na reserva para não o fazer, mas nesta situação eu estava já disposto a dar-lhe o mundo. 

Lá seguimos o rapaz, que pega na mala da minha irmã e nos encaminha pelo caos da tal rua onde ficava a Riad. Pelo caminho, entre os "Ah Portugal" e os Cristiano Ronaldo, pergunta-me se não tenho sede e se não quero comprar água numa das muitas lojas da rua, que obviamente seria de algum amigo seu... pois faz questão de parar à porta (eu já sabia destes esquemas engraçados que os marroquinos usam para venderem tudo e mais alguma coisa numa espécie de antiquado cross-selling). Mas disse que não, mesmo só porque queria era resolver aquilo o mais rápido possível. Bem... lá chegamos a um local, ele abre uma porta, subimos umas escadas e está uma senhora marroquina nos seus 60 anos vestida com um tipo de pijama (claramente tinha saído da cama agora), ao seu lado está uma rapariga nos seus 20 e um homem que então percebo ser aquele que falou comigo ao telefone. 

Uma "sala" da Riad para onde nos levaram. Era aqui que se fazia o pequeno-almoço. 


Não sei como, mas não odiava este homem, mesmo sabendo que tinha cancelado erradamente e sem razão a nossa reserva, causando todo aquele transtorno, mas nos seus olhos havia qualquer misto de incompreensão e confusão, que não me deixaram tratá-lo mal. Bem... se ao telefone o seu inglês era sofrível, acho que ao vivo ainda era pior. Tentei explicar que a agência de viagens tinha pago tudo para a reserva, que àquela hora não podia falar com ninguém, que precisava de pelo menos wi-fi para puder enviar imediatamente um e-mail a explicar tudo. E mal ou bem lá nos entendemos. Tentámos entrar em mais detalhes sobre a reserva, mas ele não conseguia mesmo compreender o inglês para além de algumas frases-chave básicas. Ainda falou algum francês e eu compreendi, mas para mim era extremamente difícil responder-lhe nessa língua. Então o nosso problema linguístico era tremendo.

Lá me diz onde vamos dormir, vejo o quarto, era bom. E é aí que percebo que de facto aquela não era a nossa Riad original, mas que pertencia à senhora e raparigas que ali estavam. Também elas só falavam árabe ou francês. Ao pedir-me os passaportes para um rápido check-in, a rapariga soltou um tímido "Sorry" por toda a situação e os seus olhos foram tão explícitos, que tive que dar um passo atrás e relaxar-me aceitando aquilo... e pronto. Sim, perante essas dificuldades, aceitei dormir ali e... na manhã seguinte logo se via. E claro que no entretanto ainda tive que pagar 200 dirham (20 euros) para dormir ali porque... MARROCOS e marroquinos! A sério, o descaramento e os pedidos de dinheiro não têm limites, mas... como não amar isso?  :D Obviamente que paguei na condição de ter esse valor devolvido pela agência (que já foi devolvido e até em maior quantia, depois desta linda situação). 

Entro no quarto e só me dá para rir. Não estava a acreditar que tinha apenas acabado de chegar e já tinha tanto para contar. A minha irmã estava mais irritada, com completa razão, e diz-me: "Não tenho vontade nenhuma de me rir", mas isso só me fez dar mais gargalhadas porque eu tinha passado a semana anterior a perguntar-lhe "Mana, tu tens a certeza de que queres ir viajar sozinha comigo? Olha que acontecem sempre cenas...".

MAL EU SABIA! Mal eu imaginava o que estava para vir. 

E eu dizia isso porque depois da história no Hostel em Napoli, depois de me perder na Eslovénia e de quase me ter afundado no mediterrâneo, etc, etc, eu já esperava tudo... mas aparentemente não esperava isto. 

O que nos valeu foi que aquela temporária Riad era muito bonita, como se pode ver pelas fotos. 

À porta de um dos quartos. Aqui ainda não tinha sido nada resolvido, mas porque não tirar umas fotos como recordação? :P


E pronto, no dia seguinte acordámos às 6 da manhã com todas as mesquitas da cidade a ecoar as vozes do Almuadem (chamamento muçulmano para a oração). Por toda Marraquexe se ouvia "Alla hu Akbar... Allaaaaaaa huuuuu Akbar", que significa "Alá é grande!". E realmente não sei se foi Alá ou a força de acreditar, mas a verdade é que nessa mesma manhã tomei tranquilamente o meu pequeno-almoço de chá verde e smemen com mel (uma espécie de crepe marroquino) e tudo ficou resolvido com a agência em poucos minutos, pois conseguiram fazer com que nos transferissem para o nosso alojamento, que na verdade era uma outra Riad... ainda mais bonita do que esta. Mas juro... naquela fase estava até já disposto a dormir no deserto debaixo de uma pedra. 

E agora recordo ainda as palavras simples mas sábias do nosso magnífico condutor quando lhe disse que já há muito muito tempo queria visitar o seu país. Respondeu-me então ele assim no seu inglês acentuado com o tom árabe que confere a tudo um significado ainda mais profundo: "Now your dream came true" / "Agora o teu sonho realizou-se".

Bem... por pouco não era um pesadelo, não é? Mas também se fosse tudo certinho, que aventuras teria para vos contar?

E foi entre essa questão e risos ainda incrédulos que saímos para o caos da manhã quente de Marraquexe prontos a descobrir uma das cidades mais fascinantes onde já estive. Mas disso falarei noutro post, quando vos contar como afinal me apaixonei por este lugar que inicialmente me quis receber tão mal.


O nosso improvisado amigo, hóspede frequente da Riad que nos alojou por uma noite. Chamei-lhe Youssef. 


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